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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Para amar é preciso ser grandioso. O amor descama peixe e faz disso um momento de rara poesia.

Há umas semanas atrás fui ver Adélia Prado e chorei ao vê-la chorar.
Centenas de pessoas na platéia a esperar algo, talvez palavras, conhecimentos sobre sua arte...
e ela deu lágrimas, deu saudades de vó e interior, ela deu conversa do tipo "jogada fora", contou causos, se fez de envergonhada, disse de si da forma mais simples e singela: grande lição de vida.
No meio da pós -pós modernidade, da matéria líquida,  da falta de chão, da ausência de afeto ela deu mostrou que o mais obvio é o que está perdido. Chorou e chorei ao recitar essa poesia que para alguns pode significar uma desigualdade de gênero, mas para ela e eu concordo, significa AMAR.
 E, como é difícil Amar. Descamar o peixe em toda a sua crueza transformando a tarefa árdua e fédida em um momento de amor. 


Casamento


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

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